quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Do dia em que resolvi pular na piscina de lama.

Fui sozinha.
Minhas mais importantes decisões, tomei-as sozinha.
Era tarde de primavera, provavelmente.
Em frente à nossa casa havia três ou duas grandes bacias dentro da terra.
Meu pai quem fez. Bom, não foi ele quem cavou-as mas foi ele quem elaborou o plano de sugar a lama do mar da ilha, que era jogada em uma daquelas bacias.
Durante todo o ano havia motivo para brincar lá. Quando estava menos quente (porque lá não fazia frio), a lama amolecia. E podíamos desfrutar de todos os estágios do amolecimento.
No seu mais alto grau, nadávamos barrentos pela bacia, melando-nos... Ba-nho de la-ma. Ah! que delícia. Tão engraçado escorregar enlameados! Corrida de barros! Secar e virar crosta de terra molhada! Ser um incrível monstro barroso! Chegar em casa, e dar a volta por trás para não sujar a casa toda... -menina! tá parecendo um moleque!, dizia a minha mãe.
Quando nem tão mole, nem tão dura, guerradelama era a brincadeira preferida! Uau! Fui bem treinada, ao lado de meus irmãos mais velhos do que eu, e seus amigos, garotos nativos dali.
Sozinha, arriscava desenhar panelas, potes, bonecos, que figuravam histórias desertas para mim mesma.
Da lama seca, rachada, achava graça em correr correr sem cair em suas fendas...ou, correr correr e cair em alguma região de falsa secura.
Então, era tarde de primavera quando resolvi sair de casa para ir até à bacia de lama à procura de qualquer aventura. Fui preparada, de biquíni, e obstinada.
Cheguei à beira, estava amolecida e não hesitei um minutinho sequer sequer.
Strashh! Pulei "de com força", como dizem por aí, e bem na hora em que meus pés enterraram-se, senti uma senhora fisgada no pé esquerdo. Nem pensei, assim que não mais afundava arrumei logo de desenterrar-me, dos joelhos abaixo, e sem olhar, sem pensar, fui direto, correndo para casa, ou melhor, mancando, ou pior, qual saci pererê! Não tive coragem de olhar, embora continuasse sentindo as fisgadelas, e segui em frente em um pé só dando graças que não teria muito o que percorrer.
Estava aguentando bem, até que ao passar o portão de casa meus pais estavam ali, na varanda...
E de um rompante, estrondei um choro esganiçado como quem estava por morrer de apendicite. [Alguém uma vez me disse que nunca havia tido esse tal de apêndice. Mas que certamente era algo terrível, afinal, um nome como aquele só poderia resultar em dor profunda.] Daí em diante tudo se embaralha na minha memória, mas foi um estardalhaço, um disse-me-disse, um reme-reme, um éculpasuaéculpasua, um aimeudeusaimeudeus a-filha-também-é-sua.
Todos devem estar se perguntando: -o que foi que aconteceu??? - Perdeu o pé, o dedo, a unha?
Rs. Na verdade, foi um corte! Profundo! Inesquecível! Tá, vai. Foi um corte, superficial, mas de fato, inesquecível. Pelo seguinte: o corte deixou um pedaço de pele minha sambando pra fora do meu corpo, aparecia até a carnitcha, e tivemos que fazer o curativo com ela mesmo. Decorridos poucos dias da cicatrização, digamos que a pele apodreceu... meu pai veio me dar a notícia de que era preciso cortar, -não!, me explicou por quê era preciso cortar, -nem pensar!, insistiu (com calma) que era necessário, -vai doer!, -a pele tá morta, filha, - mas dói!, blábláblábl..., -não!não!não!não!
E tudo o mais que meu pai dissesse não me convenceria a me arrancar de mim mesma.
Resultado: o pedaço de carne pendurado se reagrupou ao meu ser do jeito que lhe foi conveniente. E algum dia, fui até ao local para verificar onde eu tinha enfiado meu pé. Como a bacia ora estava mais cheia, ora mais vazia, o dia em que me machuquei estava justamente mais cheia e não deu pra ver a tubulação por onde a lama chegava. Meu pé raspou a boca do cano, que não estava em bom estado.
Tá, mas e aí? Sei lá, cara. Acho que sou assim até hoje, vou ali, rodo, passo por trás, quebro, choro, sacisaci, dancei, eagoramãe?, bola-da-vez, seteoito, sambarei, conseguirei, estrearei, voarei, serei.
Voltar? Só pra espiar em que lama eu não me jogarei.

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